domingo, 22 de abril de 2012

Dos subentendimentos


- Posso fazer uma coisa? – ele perguntou com olhos complacentes, como se um “sim” fosse algo que salvaria sua vida de todos os males possíveis.
- Pode, eu permito. – respondeu com o coração muito apertado, cheio de certezas que não o animavam diante de tais constatações.

E enfim, aconteceu. Rápido demais, ofegante demais, um tanto embaraçoso e nebuloso, constrangedor, até. Odiou o fato de o beijo ter agradado apenas um, de ter sido algo praticamente autônomo. Gostaria de algo apaixonado, pungente, brilhante e novo. Algo que o tiraria da mesmice, que apagaria muitas dúvidas. Na verdade, sim, aquele fato desanuviou muitas dúvidas em sua cabeça. Era óbvio que deveriam ter esperado mais e sabe ele que não se deve julgar nas primeiras impressões. Mas enfim, é algo que já estava em sua mente, latejando há vários dias como uma certeza iminente. Tinha medo de falar dos seus dons, das suas certezas que chegavam antes de todos sequer ponderarem sobre algo.
Saiu de lá um tanto desnorteado, julgava-se a princípio burro e carente em demasia, se sentiu inseguro, meio sem chão, procurou um ombro amigo para se encostar e dizer que se sentia extremamente vulnerável e errado naquele momento. Apenas Florence Welch o entendia naquela hora no meio da rua vazia, logo após o temporal que ele mesmo julgara que acontecera para avisar alguma coisa. Odiou-se por alguns instantes, esmurrou o muro próximo para descontar um pouco da raiva que sentira da sua falta de postura, do fato de ter traído a si mesmo. Avançou para casa cortando o vento morno que soprava decorrente do sol que fazia evaporar as poças caudalosas que iam manchando seus sapatos pelo caminho acidentado.

Girou a chave uma vez e percebeu que não havia mais ninguém na casa a não ser ele mesmo e suas gatas e a cadela, tão carinhosa com a sua chegada. Entrou, girou nos calcanhares, decidiu tomar banho, queria tirar aquele cheiro do corpo porque ele o lembrava da sua espécie de deslize. Não é que estava sendo cruel consigo, mas é que ele não queria quebrar o coração de ninguém, não queria parecer cruel e sádico com os sentimentos alheios. Entrou em seu quarto e naquele momento todos os que ali habitavam o olharam como se quisessem acusá-lo de algum crime. Todas as pedras, cristais, livros, penduricalhos, borboletas e toda a sorte de papéis, papelotes, caixas, compartimentos e incensos; tudo parecia querer perguntar o que havia acontecido e por que havia acontecido. Até a esfera de cristal em sua escrivaninha anuviou-se, como se quisesse mostrar algo futuro, algo que ele não sentiu ser bom.
- Não quero nenhum sussurro sobre isso! – gritou ele para todos os que habitavam o seu quarto. E naquele momento todos se calaram, os livros não murmuraram, as flores desidratadas e decorativas encolheram-se mais do que mandava o costume, as velas bruxulearam e apagaram-se, até a esfera de cristal voltou a sua forma vítrea mais simples possível, sem recados do futuro ou inquietações nebulosas em seu interior.
Tomou banho, deitou-se alheio no sofá, observou as sombras se estenderem lentamente pela sala enquanto a tarde avançava para o crepúsculo. Procurou um ombro amigo mais uma vez, mandou mensagens, esperou respostas e não obteve sucesso.
Mas então fechou os olhos, lembrou-se dela e da paz que ela o trazia com seus longos cabelos, jeito velado e olhos morenos. Lembrou-se também da paz que ele mesmo transmitia a ela, completando um ciclo que alimentava uma parte considerável de seu ser. Naquele momento a bailarina delicada e plumosa que sempre dançava no aparador ao lado aproximou-se delicadamente dele e afirmou como se cantasse uma bela canção:
- Consigo sentir sua paz daqui.
- Não é por nada não, mas a paz que consigo levar aos outros me vale a paz que eu nunca tive. – afirmou ele perdido em devaneios que molhavam os pés no mar.
- Não se prive e não se julgue, mas não destrua, não esmigalhe e empunhe como troféu o coração de ninguém. – pediu a bailarina com gracejos dançantes e etéreos.
- Nunca o farei. Mas, saiba, aquilo que aconteceu não vai se repetir.
A bailarina o olhou de forma doce e satisfeita e então voltou ao seu posto amadeirado, congelada em dança vítrea.
E então ele dormiu, com a certeza de que não se desesperaria por estar vivendo, errando e aprendendo. Não choraria, se calaria e saberia exatamente para quem pedir ajuda quando o laço apertasse em seu juízo.


Ao som de "Riverside", Agnes Obel.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

O final e o começo


Logo acima, depois de dois lances de escada, o jovem peculiar transitava entre os cômodos ainda vazios que assoviavam ao serem varridos pelo vento nervoso e invernal que se esgueirava pelas frestas da velha casa. Abriu cada porta e olhou atentamente para não ser pego de surpresa por mais um dos “esconde-esconde” inoportunos de Sophie. Oito foram as vezes que Emilie e Konstantine ouviram Christopher procurando a garota no andar de cima, mas repentinamente a procura parecia ter parado. Só faltava mais uma porta que ficou por último justamente por ser a mais óbvia de todas, sendo o seu quarto improvisado.
Nada por lá, também. Tudo parecia estar na mesma improvisação das noites anteriores; nada mudara com seus livros velhos e empilhados, com o colchão puído no meio do quarto e as pétalas da rosa que agora jaziam secas e amarrotadas no chão de linóleo, totalmente inúteis na função de dar mais romance ao lugar. Não fosse pelo pequeno papel dobrado preso nas reentrâncias do velho alcochoado, Christopher teria dado a volta e descido as escadas bastante contrariado e, óbvio, sem explicação alguma para o sumiço de Sophie.
Aproximou-se, pôs seus óculos, e segurando o papel em suas mãos um pouco trêmulas leu com atenção as poucas palavras que pareciam ter sido escritas com pressa. Leu uma, duas, três vezes para fixar bem na memória. Leu mais uma vez, prometendo que seria a última, mas dessa vez em voz alta. E disse meio teatralmente e um tanto irônico, até:

Consegui, mas sentirei muito a sua falta.

- Parece que posso ouvi-la falar isso. É exatamente o jeito dela de mandar recados. – disse Konstantine encostada na porta com olhar meio perdido e os braços e pés cruzados como sempre fazia quando queria parecer séria, mas não tanto.
Christopher sobressaltou-se, não percebera a amiga ali até então. Emilie estava logo atrás, um pouco séria demais, mas ao mesmo tempo serena como sempre demonstrava.
- Eu não entendo o porquê dela ter ido embora novamente. Tudo parecia estar bem! E ela ficou tão pouco tempo... Sophie sabe que eu nunca aprovei essa vida nômade dela e...
- Sophie nunca gostou de pertencer a lugar nenhum, Christopher. – interrompeu Emilie. – Talvez por você ela ficasse mais tempo, mas o fato de estarmos aqui novamente, a afastou.
Ele as olhou de repente, um pouco confuso. Analisou bem a expressão de ambas e constatou que no ar não pairava nenhuma piada contida ou mesmo um gracejo para que o clima um pouco denso fosse quebrado.
- Eu não entendi. – sentenciou ele de forma bastante incisiva.
Konstantine meneou a cabeça, analisou o pequeno bilhete, olhou para Emilie esperando uma espécie de explicação e então tentou tranquilizar os ânimos:
- Tudo bem, Christopher. Há coisas aqui que eu estou entendendo muito menos que você, mas estou tentando manter a calma e não chutar ou morder algo.
- Eu voto na possibilidade de darmos uma volta, sabe? Sem destino, pelo menos por agora, pois precisamos entender muitas coisas. E não me refiro somente a você e a mim, Konstantine. Falo isso mais pelo Christopher. – disse Emilie entortando o cantinho da boca, como sempre fazia ao tentar resolver algo.
Os longos cílios de Christopher estavam serrados, e era como se dois riscos tivessem sido desenhados com nanquim em demasia no rosto dele. Estavam arquejados para baixo, denotando preocupação. E quando ele respirou fundo para formular uma nova pergunta, Konstantine adiantou-se, segurou-o pelos ombros e disse, na tentativa de tranquilizá-lo:
- Está tudo bem, Christopher. Nós todos só precisamos entender muitas coisas e achamos que fora daqui será mais leve. Vá tomar um banho, enquanto isso eu vou preparando um chocolate quente pra gente.
Mais uma vez ele as analisou por um breve momento e então sorriu levemente, coçando o nariz como sempre fazia ao aceitar uma resposta por consideração, mas não por aceitação.

Só após Christopher olhar todos os cômodos da casa para se certificar de que Sophie realmente não estava mais lá é que todos puderam sair. Ele levou o bilhete consigo e guardou-o no bolso de sua jaqueta com delicadeza, de forma que ele não amassasse.  Konstantine não conseguia disfarçar sua inquietação e a todo instante dava pequenas cotoveladas em Emilie, desequilibrando-a um pouco. Ela não respondia nada, apenas dizia “espere mais um pouco” com veemência, pois estava receosa com a possibilidade de Christopher perceber os sussurros de ambas. Mas definitivamente ele estava bastante afetado pelo sumiço repentino de Sophie. Várias perguntas pairavam ali e em breve, de uma forma ou de outra, elas precisariam ser respondidas.
Lá fora a chuva tinha amainado e tudo ainda permanecia poeticamente úmido.  A tarde já principiava e o resto do dia seria cinzento e agradável, como se fosse uma homenagem aos três amigos. De repente perceberam que estavam com bastante fome e que o chocolate quente tinha servido apenas para deixá-los ainda mais famintos. Enquanto esperavam um táxi na calçada, eles começavam a dar menos espaço para as preocupações eminentes e voltavam às brincadeiras e cutucões que sempre fizeram parte de suas provocações corriqueiras. Velhos bordões voltavam à vida, questionamentos relacionados as experiências e as amizades do tempo de ensino médio, peculiaridades que definitivamente eram totalmente deles. E quando enfim o carro se aproximou da calçada, Konstantine estendeu as mãos para o céu cinzento e disse, em tom suplicantemente teatral:
- Ah, que saudade do nosso Olds...
Abruptamente Emilie deu um forte pisão no pé da moça de excêntricos cabelos violetas e repicados. Com ar incrédulo e quase choroso Konstantine olhou para a sua amiga e disse, quase gritando:
- Por que é que você fez isso, sua índia?
- Presta atenção no que você fala! – disse ela entre dentes, simulando um sorriso maroto que cobrisse seu repentino simulacro.
Christopher riu espirituosamente e entrou no táxi. Aliviadas, ambas entraram também, um pouco mais tranquilas por ele não ter feito novas perguntas. Talvez ele também não quisesse dispersar o tom alegre que tinha aparecido nos últimos minutos.

Quando se sentaram num lugar que dava uma ótima visão da rua ladeada por frondosos jacarandás, sentiram que enfim várias coisas se encaixariam em seu devido lugar e que algo realmente grande estava prestes a acontecer. Em uníssono pediram uma generosa jarra de chá mate gelado e com limão, preferido pelos três desde que se lembravam. Em seguida almoçaram silenciosamente, comentando algo aqui ou ali, mas poupando as energias para coisas que nem eles mesmos tinham certeza. Terminado o almoço e a sobremesa, os três começaram a pontuar fatos das últimas semanas, meses e até mesmo anos, dado o longo afastamento que agora fazia parte de suas vidas. Discutiram o rumo que seus sentimentos tinham tomado, algumas preferências realmente estavam diferentes e outras permaneciam tão fieis a personalidade de seu veiculador que era totalmente viável que partisse do mesmo. Falaram sobre a possível vida de Emilie na promotoria, ou na pretensa vida de medievalista de Christopher ou mesmo na de advogada geral da união que agora perfilava Konstantine. Era quase incrível falar em termos acadêmicos ou coisas do gênero, era quase um evento aleatório, como se não se encaixasse como deveria. Explicaram muita coisa, riram dos bastidores de tudo e de como algumas coisas que antes eram tão sérias, se tornaram tão bobas.
Depois de muito falarem, os três pagaram a conta e passaram a caminhar descompromissadamente.
- Já voltaremos pra casa? – indagou Christopher.
- Não, ainda não. Nós queremos te levar a um lugar. – disse Emilie convictamente.
- Quase me esqueço disso... – completou Konstantine.
- Eu acho que a gente chega lá a pé sem problema algum. Não é tão longe daqui e na volta pegamos um táxi.
Continuaram a caminhada e assim continuaram também muitas conversas, compartilharam muitas coisas. Mas, à medida que o caminho avançava era impossível não perceber a introspecção a que involuntariamente os três se entregaram. Nesse instante, direcionando sua atenção para a rua, Christopher percebeu que o vozerio de comerciantes, passantes e lojas tinha se afastado, ficado para trás. As casas começaram a rarear e agora as quadras avançavam em um longo tapete de grama verde que se estendia horizontalmente e que cessava num lugar grandioso, fortemente murado e pintado de branco simples, no meio da paisagem. Sua miopia não o permitia diferenciar formas a distância, mas sabia que aquele era um lugar calmo e reservado. Emilie segurou sua mão, e Konstantine se encostou a ele, de modo que andavam praticamente em marcha. Repentinamente as duas moças pararam.
Christopher agora diferenciava um portão negro e metálico que separava o muro branco em dois blocos distintos, mas não conseguia ler o que estava na placa logo acima. Percebeu que sentia mais frio agora e abotoou sua jaqueta até o último botão.
- O que é ali, meninas? – Finalmente perguntou.
- Você vai conosco, Konstantine? – indagou Emilie.
- Me desculpem, mas é que eu prefiro esperar aqui fora. Qualquer coisa me liguem, mas é que eu realmente não quero ir agora.
- Sabe com o que realmente eu estou impressionado? – Christopher construiu uma retórica em tom sarcástico. – É com a minha passividade diante de toda essa situação.
- Não é hora agora, Christopher. Por favor, entenda-nos. Você também vai entender. – disse Konstantine em tom sério.
- É disso que estou falando. Desde cedo tenho me encontrado entre retóricas, frases entrecortadas, sussurros. Acho que eu tenho direito de saber do que quer que seja, não é verdade? – apelou Christopher.
- Vem comigo, Christopher. Por favor. – sentenciou Emilie.
Meio contrariado, o rapaz acompanhou a moça de longos cabelos negros. A estrada agora se estreitava e era ladrilhada por seixos rosados e esbranquiçados. Seguiram em silêncio até enfim chegarem próximos ao portão. Não precisou muito para que Christopher percebesse onde eles estavam. Olhou e viu um terreno grande, repleto de placas rentes à grama metodicamente aparada, algumas pontilhadas por pequenas e delicadas flores, seres alados e marmóreos que pareciam querer ir além-muros. Constatou enfim que eram lápides e anjos de mármore. Seu coração pareceu congelar e ele levantou os olhos apenas para constatar onde estavam. A placa era decorada por faixas metálicas ricamente arquitetadas, entrelaçadas por flores delicadas e pequenas adorinhas, seu verniz reluzia um pouco sob a luz acinzentada que vinha do céu logo acima, balançava preguiçosamente na brisa que soprava, produzindo um som choroso e fantasmagórico. “Totalmente apropriado”, pensou ele. O rapaz leu mentalmente, mexendo os lábios silenciosamente: “Cemitério Thurston Moore”.
- É isso. – disse Emilie quase num sussurro.
- Ainda não entendo muitas coisas. – As mãos do rapaz tremiam.
- Eu vou te pedir que não fale nada até chegarmos onde temos de chegar, Christopher, por favor.
Ele concordou um pouco receoso, mas continuou a acompanhar a amiga. Adentraram o portão alto e pesado, desejaram “boa tarde” para algumas pessoas que passavam. Continuaram a caminhar, sempre em frente. A quantidade de lápides era consideravelmente grande, mas Christopher percebeu que a maioria das pessoas que jaziam ali não tinham se ido recentemente. Um sentimento estranho tomou conta dele, algo que ele não sabia diferenciar ou mesmo explicitar. Emilie seguia dois passos à frente, atenta, e olhava algumas anotações feitas em sua mão morena. E de repente os passos cessaram. De alguma forma Christopher hesitou em olhar para baixo, pois tinha medo de ler a lápide logo adiante. Algo em seu coração gritava, implorava para que ele corresse dali e sumisse novamente sem deixar vestígios. Emilie se afastou e apenas disse:
- Eu sei que não vai ser fácil.
Christopher respirou fundo, seu peito tremia por conta das palpitações que o seu coração dava. Ajeitou os óculos em seu rosto e ajoelhou-se, de modo que pudesse ler sem erros. Mas foi então que seus lábios congelaram, seus dedos enrijeceram e seu sangue pareceu coagular nas veias. Lágrimas doídas, como lâminas, vieram aos seus olhos, e em sua garganta apertou-se um nó que o deixava sem ar. Naquele instante ele desabou na grama e lágrimas saltaram de seus olhos escurecendo o mármore onde estavam letras prateadas que diziam de forma simplória:
                                 
      SOPHIE BARTLETT
             *02/02/1989  +31/10/2008
           
       O celular de Konstantine tocou e de pronto ela o atendeu, preocupada com o que pudesse estar acontecendo nos domínios do Thurston Moore. A voz do outro lado da linha não era a de Emilie, o que a fez se assustar um pouco, mas logo entendeu que aquela ligação não era menos esperada.
            - Sim, investigador Thompson. Estamos aqui, como combinamos. – respondeu a moça ao homem de voz arrastada e brusca do outro lado da linha.
            - Estou a caminho. – respondeu o investigador numa única e prática frase, em seguida desligando, sem mais delongas.

            De repente Françoise Hardy enchia o ar daquela tarde. Era o celular de Emilie que tocava.
            - Oi, Konstantine.
            - Como ele está?
            - Em choque.
            - Vai passar, nós sabemos que vai.
            - Eu sei lidar, Konst. Nos preparamos meses para isso. E Thompson? Ligou?
            - Já está a caminho.
            - Acho que ele sim, saberá tranquilizar tudo. Muito mais do que nós mesmas...
            - Ou não. Emilie, eu vou desligar. Quando Thompson chegar, eu me dirijo até vocês.
            - Não, não. Isso vai intimidar muito o Christopher. Eu o levo até aí.
            - Tudo bem, esperarei.
            Emilie desligou o celular e o jogou na bolsa. Neste momento ela ajoelhou-se ao lado de Christopher e o abraçou com força. Já fazia bastante tempo que ela tinha presenciado o jeito introspecto e silencioso que o rapaz tinha de chorar. Seus olhos arderam e sua garganta também apertou. A dor dele era iminente.
            - Christopher...
            - Eu quero ficar sozinho. – pediu ele delicadamente.
            - Mas...
            - Por favor, Emilie. É apenas por alguns instantes.
            A moça se afastou, sentou-se a alguma distância considerável a fim de observar tudo, mas concedendo total liberdade ao seu amigo. Naquele momento ela daria tudo para saber o que se passava pela cabeça de Christopher.

            O rapaz olhava fixamente para a lápide a sua frente. Ele simplesmente não conseguia acreditar, e aquele novo fato parecia não querer se fundir a sua mente. E foi então que impulsivamente muitas memórias e sensações o envolveram. Ocorreu a ele que de repente era somente o depois, tudo de novo normal. Algo que simplesmente veio e quebrou diversas possibilidades, novos sonhos, outros significados para sua vida. Lembrou-se da manhã posterior a noite que conheceu Sophie. E então, naquele instante percebeu que enfim não havia nada para inventar, não havia truque ou coisa igual, artifício ou ilusão para que fosse aquela noite outra vez. Sentia que agora o tempo de sonhar tinha-se ido totalmente e que enfim, era hora de dormir. Nunca mais teria aquela noite outra vez e só conseguia repetir para que ela não fosse embora.
            Foi então que ele se lembrou do pequeno e singelo bilhete que depositara em seu bolso na jaqueta logo cedo. Sentiu extremo alívio ao sentir o papel ainda ali, abaixo das fibras do tecido. Fechou os olhos e repetiu, mais uma vez:
- Não vá embora.

Uma figura monocromática se aproximou com botas emborrachadas, sobretudo e roupas negras. O investigador Thompson chegou à porta do Thurston Moore com passos leves e cuidadosos. Konstantine o esperava impaciente e um pouco incomodada.
- Boa tarde, investigador Thompson – aproximou-se ela estendendo-lhe a mão.
- Boa tarde, minha jovem – respondeu ele educadamente apertando com força a mão da moça que fez uma leve careta ao ter os dedos praticamente amarrados. – Eles estão aí?
- Sim. Já faz algum tempo e garanto que não foi nada fácil para ele saber disso tudo, senhor Thompson.
- Eu sei, eu sei. Mas uma hora ele teria de saber. E comecei a ser pressionado com este caso, eu precisava encontrá-lo logo e o único jeito foi encontrá-las primeiro.
- Entendemos. Mas, realmente, é necessário conversar com Christopher agora?
- Necessário sim, mas conveniente, não. Posso não parecer, mas tenho cá meus surtos de complacência. O tempo é de vocês.
- Ótimo!
Konstantine adentrou o Thurston Moore um pouco receosa, mas não demorou a encontra-los entre algumas lápides e anjos de mármore que pareciam olhar tudo com atenção, prontos para abraçar Christopher que estava sentado na grama e um pouco curvado, olhando fixamente para um ponto adiante, logo abaixo. Ela apenas olhou para Emilie e então ela já sabia o que fazer. Aproximou-se com passos leves de Christopher e lhe disse, com calma:
- Há alguém que está aqui para te conhecer, Christopher. Só posso adiantar que é importante.
- Preciso, mais do que tudo, de um ponto final para tudo isso. – sentenciou o rapaz com a voz embargada.

Continua...

Ao som de “Alvorada”, Agridoce.