domingo, 16 de janeiro de 2011

Do que a gente vai precisando...

Gostava tanto de dias chuvosos que apenas aproximava-se do metal frio da janela para sentir o frescor nevoento que chegava até suas mãos. A manhã molhada alegrava-o, levantava cantando com as mais belas músicas na mente, com solos de violino e violoncelo, saudando a graça das gotas dançantes que se penduravam no candeeiro de sonhos que balançava preguiçosamente na varanda de amores.
E pisava como os elfos, para não fazer balbúrdia e não espantar a calmaria do céu frio que dormia em aconchegantes nuvens arroxeadas e pesadas. A fumaça do incenso dançava entre os furinhos da rica caixinha talhada que ganhara no último aniversário.
Dança pela casa, ouve o gotejar, o tamborilar gelado que vai correndo. Molha os pés mesmo debaixo de reprovação da mãe, com suas diversas histórias de "mortes por choques térmicos". O pijama não é mais que uma calça surrada e uma camiseta velha, surrada e tie die. Mas em manhãs assim ele se via no espelho com a mais bela calça e com a camiseta do mais fino tecido, como se lhe tivesse sido entregue por fadas tecedeiras e amigas. Cheirava a lençol limpo, mas agora molhava as mãos para lavar o rosto com perfume do céu. Prefiria chamar de Chuva. Sim, bonito nome... Cadente, cheio de brisas e frescor. Gostava da desenvoltura do líquido entre seus dedos. Dançava, escorria e fixava-se nos pêlos lisos de seu braço para enfim repousar no pulso como desenho cristalino.
E então fechava os olhos... Sentia o cheiro dos cabelos de alguém, ouvia os passos leves girarem na grama, ouvia doces poemas recitados. Ele gostava de ser diferente com ele. Não o repreendia. Deitava na grama, brincava com as voltas que os seus cabelos davam, beijava-lhe a testa, chamava-o de Fauno. O fazia feliz. Seus olhos brilhavam com as guirlandas que ele lhe fazia... Rosas-meninas, algumas folhas e ramas de um arbusto delicado que exalava quase o mesmo cheiro campestre dos cabelos acobreados que o pertenciam, reluzindo sob a luz empalidecida do céu pós-chuva.
E ele lhe trançava os dedos, e ligava os pequeninos sinais de seu braço formando constelações inexistentes. Ele o sentia, ele o via e não... Pelo tempo de espera não seria mais um Sonho de Uma Noite de Verão. As árvores o diziam, os pássaros o cantavam, os cristais o refletiam, a águas lhe murmuravam. 
Pegara o vento emprestado dia desses, dera uma volta, pensou tê-lo visto correr entre anjos, entre fadas, entre algo mágico. O viu por ali, tão perto e tão longe... E repetiu para si mesmo enquanto as gotas caíam com mais força: "Sim, eu tenho a permissão de escutar a melodia do inverno, de sonhar entre os campos do Meu Mundo, de vê-lo e esperá-lo sem razão, sem medo, sem receio." 
Apenas olhou ao redor, sentiu, aspirou... Não chorou. Sorriu sereno. "Ele virá."


Ao som de "Her Morning Elegance" - Oren Lavie

2 pessoas se inspiraram:

Bellum omnia omnes disse...

Suspeitíssima tanto p/ descrever, quanto p/ compartilhar sobre esse momento. É um tempo lindo, apesar dos pesares no RJ. Costumo dizer que a chuva nunca atrapalha, sempre inteligente por detrás de nuvens, tentando não ser antipática com os mais doces, ou digamos, feitos de açucar cristal pura.

Unknown disse...

Estou cada vez mais convicto que voc não é desse mundo Saymon, o SEU mundo parece tão mais feliz, tão mais alegre, onde a chuva nunca é sinonimo de tristeza. Saymon, se minha intuição estiver certa, me leva junto com voc nesse mundo tão feliz? Quero saber o gosto que tem essa chuva encantada!