segunda-feira, 5 de julho de 2010

Anywhere


A um quilômetro da casa ouviu buzinas de carros e o clamor de um rock descolado. Quando o som ficou mais alto e um carro passou rápido pela estrada transversal, ele viu que os passageiros eram jovens de sua idade, que sacudiam flâmulas com as cores de um time de uma escola não muito longe dali, gritando com grande excitação. Haviam ganho o jogo. Eram barulhentos, felizes, unidos, sem nada no mundo que os preocupasse.
Nenhum deles conhecia o garoto que estava ali sozinho, na estrada juncada de folhas mortas, mas acenaram para ele.
Ele ergueu a mão numa tentativa de retribuir o gesto, mas desistiu.
O rock dissipou-se naquela noite chuvosa.
Alguns minutos depois, lá bem no alto, no ar, o canto quase imperceptível de pássaros fê-lo erguer os olhos e ver a revoada de gansos em um V, batendo as asas lentamente na direção do sul.
Sentia-se desolado e terrivelmente só diante daquele grupo tão alegre no carro. Será que alguma vez se sentiram sós, indefesos? E por que se sentiriam assim? Tinham uma família de amigos. Se um dia um medo terrível se apossasse deles, sempre encontrariam alguém para apelar, com quem pudessem falar. Se um deles desejasse passear com um carro, bastaria telefonar para um amigo, qualquer um, do seu círculo de amizades.
Rispidamente, o violinista disse consigo mesmo que a autocomiseração não resolvia nada. Sentou-se no frio banco de ferro e começou a tirar notas chorosas de seu violino. Sinceramente ele pensava estar “no automático”. Pôde sentir que sua música estava rasgando a noite, acordando corujas e agitando morcegos. Mas os candeeiros não se acendiam. Podia sentir que ia explodir de euforia, mas estava se parecendo mais com um rato na gaiola.
Onde pensava chegar estando “no automático”?
A inércia o impelia a quase se odiar de novo. É humilhante olhar-se no espelho todos os dias e tentar exorcizar os seus piores demônios sem sucesso algum. Sinceramente se sentia como um sanguessuga.
Não precisava de gente que o podasse, que observava seu jeito para tentar mudá-lo... Já passara dessa fase. Se havia alguém que precisava mudar eram essas pessoas mesquinhas que se importam somente com o seu umbigo. Detesta gente bipolar, que o faz pisar em ovos o tempo inteiro.
Gosta de caminhar em solo seguro. Nunca foi de grandes aventuras... Mas precisava de uma.

A música avançou pela noite, distanciando-se cada vez mais. E assim como a sua música ele precisava se distanciar dessa Babilônia, de toda essa balbúrdia.

Ao som de “Anywhere – Enanescence”.

1 pessoas se inspiraram:

Júlia disse...

olha, tava otimo e tals, achei lindo, mas quando vc falou se livrar da babilonia eu tive que rir.
mas eu entendo como é ver as pessoas euforicas e felizes e pensar que isso não acontece contigo