quarta-feira, 30 de junho de 2010

To the Dancers in the Rain


Ele rezava para que enfim aquela fosse a última vez que simularia uma despedida. Por inúmeras vezes desarrumou seu guarda-roupa, doou algo para a caridade e logo depois guardou tudo de novo. Achava decadente arrumar as roupas numa mala para uma viagem imaginária. Mas estava ali, fazendo tal coisa de novo. E era tão metódico, tão perfeccionista... Roupas escuras em cima, claras em baixo. Olhou para seus livros e então decidiu: dessa vez iria sozinho. O que por tantas vezes disse para quem reclamava de seu jeito, repetiu para seus livros: “Sozinho sim, solitário nunca”. Ouviu algo bem longe, música junina e cheiro de guloseimas. Simplesmente amava esse clima de quermesses, com todo o calor de suas fogueiras, os casaizinhos afoitos em Cadeias do Amor. “Como sou estranho”, pensou ele. Há dezessete dias reclamara avidamente do ofício do namoro, mas concluiu que enfim era só o clima da data. Aquela festividade de alguma forma o lembrava Beltane com toda a ostentação festiva e o calor aconchegante das grandes piras. Um pouco depois ouviu estouros e olhou para o céu: a chuva de prata e ouro se estendia em grandes aranhas cintilantes pelo céu onde elas teciam suas teias efêmeras e levemente enfumaçadas. E seus olhos se encheram de chuva também. Demorou-se na varanda admirando as fagulhas que caíam levemente. Lembrou-se de sua veia piromaníaca da qual uma amiga ria tanto. E olhou para a porta. Estava aberta e parecia lhe chamar. A escada parecia ter menos degraus, em prova de cumplicidade. A mochila negra já estava cheia de sonhos. Vinte reais poderiam sustentá-lo numa viagem tão desprovida de gastos. Acendeu um incenso de rosas, brincou com os floreios das brumas e algum tempo depois partiu. Dessa vez ele sabia para onde ir.

Um brilho cintilante chama o vento
Um sorriso manda todo o barulho embora
O anjo em seus olhos sussurra
‘Tudo está começando agora’.
Pode sentir agora?
Como se estivesse se afogando em uma onda
pulsando em meu coração...
Prenda sua respiração e levante os braços.
Este mundo está diferente de ontem...
Não posso ver muita coisa.
Meu desejo em uma asa
alcança o céu
como uma única transbordante palavra.

Vem comigo?

0 pessoas se inspiraram: